Thursday, November 10, 2005

"Não empurrem, se faz favor!" por JVC (Jornal de Tondela)


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Originally uploaded by phil h.



“Orienta-me aí uns trocos, ó meu e empresta-me aí o telemóvel para mandar uma mensagem!”
Esta foi a frase que Angelo, nome fictício, um jovem português de origem africana, para aí uns catorze anos mal medidos, um metro e sessenta mais coisa menos coisa, usou naquele fim de tarde primaveril, para assaltar Ricardo, nome verdadeiro, dezoito louros anos bem medidos, um metro e noventa, mais ou menos. Na dança que se seguiu, Ricardo, obviamente curvado, mantinha Angelo à distância, a mão esquerda segurando-lhe a cabeça como se fosse uma bola de basquete, tentava que o puto se deixasse de tretas e se fosse embora; apesar de procurar acertar no corpo de Ricardo com os punhos, Angelo não conseguia aproximar-se dele. Ricardo, a duas centenas de metros da estação dos comboios, que estava à vista, já farto do pas de deux, disse ao miúdo: já estou atrasado, vou virar-te as costas e vou apanhar o comboio; se me chateares, dou-te uma sova! O miúdo, sempre a provocar, lá acabou por se ir embora.

Ricardo está habituado a este género de diálogos, desde os dez anos que convive, diariamente, com esta realidade, já “orientou” bastantes trocos, alguma roupa e um par de telemóveis, agora está farto, o corpanzil dá-lhe segurança, excepto quando sacam as facas, como lhe aconteceu este verão, no centro de Cascais, perto da marina. Está ele e estão os amigos.

Angelo, nome fictício, está tão habituado ao medo que a sua prosápia provoca nas suas vitimas que, desta vez, não mediu bem a sua presa; mas para ele, presas há muitas, a polícia nada lhe pode fazer, é assim a lei, se o apanham logo o têm que soltar, provocador e sarcástico, quantas mais vezes melhor, são mais umas façanhas para contar aos amigos.

Angelo é o retrato robot de uma certa juventude que a imprensa teima em proteger, como agora se vê com o que se passa em França. Para a imprensa, sempre politicamente correcta, como é a nossa RTP1, eles são jovens que se sentem marginalizados, discriminados, encafuados em guetos e tratados de maneira diferente por causa da cor da pele.

Para o Ricardo, para os amigos dele e para as vitimas destes incompreendidos, esta rapaziada, a que por cá anda e aquela que começou a Intifada em Paris, não é nada disso. O Ricardo, os amigos dele e as outras vitimas, já perceberam que é mais cómodo para a sociedade mandante e bem pensante, falar grosso para eles, para as vitimas, do que para os arruaceiros.

O Ricardo cresceu e a geração dele vai, um dia, mandar nos destinos deste país. E doutros países O Ricardo está numa via com dois sentidos. Uma, aquela que nas suas quase duas décadas de vida ele mais tem ouvido, a do diálogo, a da compreensão e do multiculturalismo e a outra, a que privilegia a força e a ordem. Por qual delas optará ele?

Eu, que conheço pessoalmente o Ricardo e os seus amigos, temo que a minha geração, as que me precederam e a que actualmente nos governa, os estejamos a empurrar para a pior das soluções. Os dados estão lançados!