Tuesday, November 29, 2005

"Desabafos" por JVC (Jornal de Tondela)


Originally uploaded by mariekefotografeert.


Desabafos

Brrrrrrr! Chegou o frio, mais a chuva, os dias estão cada vez mais tristes e pequenos e as árvores, ao som do vento, começaram o seu striptease anual, mostrando-nos, lentamente, os seus corpos, uns mais roliços que outros, num prolongado espectáculo a que vamos assistindo até próximo do final do ano. Nuas, as árvores vão ficar à espera que um novo ano lhes traga as roupas prometidas para a nova estação, mais bonitas e mais coloridas, como convém para nos voltarem a seduzir até que a natureza se canse e recomece tudo de novo. As ruas e os jardins agradecem as mantas de folhas com que as vestem para se aquecerem do frio e se protegerem da chuva, dos nossos pés ou, quem sabe, dos presentes que lhes dão os animais que, pela trela, passeiam os seus donos.

Neste jogo de equilíbrios que é o Mundo e para que ele se não vire, há sempre quem prefira esta época do ano, escura, fria e húmida, enquanto para outros ela é um calvário que se vai cumprindo a custo, na esperança ou na certeza, de que melhores dias virão.

Eu sou membro do clube dos apreciadores dos dias compridos e quentes. Inscrito há algum tempo nesta agremiação, renovo, com mais convicção a cada ano que passa, a minha quota, cumprindo religiosamente um dos principais rituais, a enumeração de propósitos prometidos e não cumpridos, antes eu não sabia bem como era, agora sim, vais ver, é só voltarem esses dias e, ai vais ver vais, podes apostar, podem apostar.

Nesta altura do ano, o frio vence-me tão facilmente e com tanta arrogância como os clubes que o Mourinho treina limpam os seus oponentes. É tiro e queda. Todas as manhãs é um gozo, para o frio, ver-me sair do quentinho da cama, soprar-me para os pés e atirar-me com água fria para as mãos e para a cara. As roupas que tiro do frigorífico esfregam-se-me no corpo com requintes de malvadez e, por muito que eu resista, insistem em ficar coladinhas. Quando penso que, finalmente, o pouco calor do meu corpo as aqueceu, descubro que há sempre uma parte do tecido das pernas das calças que ainda não me tinha dado os bons dias e, pimba, lá vem mais um arrepio. E quanto mais me arrepio mais frio tenho. A solução é andar esticadinho e muito direito como se tivesse engolido uma vassoura e tentar evitar esses indesejáveis contactos. Ah, como eu percebo o candidato Cavaco!

Quando não uso gravata e ando com o colarinho desapertado, o desavergonhado do frio enrola-se-me ao pescoço enquanto escorrega para dentro da camisa; curvo as costas e encolho os ombros, enterro a cabeça nas omoplatas, o queixo no colarinho e vou respirando ar quente em direcção ao umbigo. Cansado de frio, acabo por me sentar. A próxima vez que comprar calças, mando fazer as bainhas muito mais compridas, porque sentado direito não dá. As calças sobem para meio da canela e as meias são presa fácil para o malvado. Sobe pela perna e só não vai até aonde quer porque as minhas mãos já estão bem entaladas, mas quentinhas, entre as pernas. Ao fim de algum tempo começam a doer-me as costas, tenho que encontrar outra posição e a luta recomeça.
Quem me cá dera o calor!

Thursday, November 10, 2005

"Não empurrem, se faz favor!" por JVC (Jornal de Tondela)


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Originally uploaded by phil h.



“Orienta-me aí uns trocos, ó meu e empresta-me aí o telemóvel para mandar uma mensagem!”
Esta foi a frase que Angelo, nome fictício, um jovem português de origem africana, para aí uns catorze anos mal medidos, um metro e sessenta mais coisa menos coisa, usou naquele fim de tarde primaveril, para assaltar Ricardo, nome verdadeiro, dezoito louros anos bem medidos, um metro e noventa, mais ou menos. Na dança que se seguiu, Ricardo, obviamente curvado, mantinha Angelo à distância, a mão esquerda segurando-lhe a cabeça como se fosse uma bola de basquete, tentava que o puto se deixasse de tretas e se fosse embora; apesar de procurar acertar no corpo de Ricardo com os punhos, Angelo não conseguia aproximar-se dele. Ricardo, a duas centenas de metros da estação dos comboios, que estava à vista, já farto do pas de deux, disse ao miúdo: já estou atrasado, vou virar-te as costas e vou apanhar o comboio; se me chateares, dou-te uma sova! O miúdo, sempre a provocar, lá acabou por se ir embora.

Ricardo está habituado a este género de diálogos, desde os dez anos que convive, diariamente, com esta realidade, já “orientou” bastantes trocos, alguma roupa e um par de telemóveis, agora está farto, o corpanzil dá-lhe segurança, excepto quando sacam as facas, como lhe aconteceu este verão, no centro de Cascais, perto da marina. Está ele e estão os amigos.

Angelo, nome fictício, está tão habituado ao medo que a sua prosápia provoca nas suas vitimas que, desta vez, não mediu bem a sua presa; mas para ele, presas há muitas, a polícia nada lhe pode fazer, é assim a lei, se o apanham logo o têm que soltar, provocador e sarcástico, quantas mais vezes melhor, são mais umas façanhas para contar aos amigos.

Angelo é o retrato robot de uma certa juventude que a imprensa teima em proteger, como agora se vê com o que se passa em França. Para a imprensa, sempre politicamente correcta, como é a nossa RTP1, eles são jovens que se sentem marginalizados, discriminados, encafuados em guetos e tratados de maneira diferente por causa da cor da pele.

Para o Ricardo, para os amigos dele e para as vitimas destes incompreendidos, esta rapaziada, a que por cá anda e aquela que começou a Intifada em Paris, não é nada disso. O Ricardo, os amigos dele e as outras vitimas, já perceberam que é mais cómodo para a sociedade mandante e bem pensante, falar grosso para eles, para as vitimas, do que para os arruaceiros.

O Ricardo cresceu e a geração dele vai, um dia, mandar nos destinos deste país. E doutros países O Ricardo está numa via com dois sentidos. Uma, aquela que nas suas quase duas décadas de vida ele mais tem ouvido, a do diálogo, a da compreensão e do multiculturalismo e a outra, a que privilegia a força e a ordem. Por qual delas optará ele?

Eu, que conheço pessoalmente o Ricardo e os seus amigos, temo que a minha geração, as que me precederam e a que actualmente nos governa, os estejamos a empurrar para a pior das soluções. Os dados estão lançados!

Atenção pais!


Acabou-se o descanso (pelo menos no Reino Unido)!
Para aqueles pais que estavam na sua "fresca ribeira" gozando os poucos anos dos filhos em que não se tem que preocupar com o seu desempenho escolar, digam adeus.
Aparentemente no Reino Unido foi criado um curriculum "escolar" para os bébés dos 0 aos 36 meses. Todos os infantários terão de seguir este curriculum de agora em diante sendo sujeitos avaliações e inspecções regulares.

Citando a notícia:

" The curriculum will divide a baby's development into four broad areas: heads up, lookers and communicators; sitters, standers and explorers; movers, shakers and players; and walkers, talkers and pretenders.

There will be four aspects, each containing a check list of components: a strong child, a skilful communicator, a competent learner and a healthy child.

Competent learners must be able to make patterns, compare, categorise and clasify. They should be able to imitate, play imaginatively with all the senses, make their own symbols and marks and recognise that others might use them differently. "
Não gostaram do termo "competent learners"?
e mais adiante continua:

"...Inspectors will want to see if pupils are meeting the four components of "a healthy child", including being able to express "joy, sadness, frustration and fear, leading to the development of strategies to cope with new, challenging or stressful situations".


Para quando os exames nacionais?

Tuesday, November 08, 2005

França a arder...e o fogo pode alastrar...




Tudo parece tão claro quando dito por Mark Steyn

ou por José Manuel Fernandes:

"Na mesma noite em que dois jovens morreram electrocutados em circunstâncias que permanecem nebulosas (mas de que logo se responsabilizou a polícia), um homem de 50 anos era morto ao pontapé por delinquentes perante a passividade de dezenas de pessoas. O presidente da câmara local entendeu dever acorrer ao funeral dos jovens, mas ignorou o da vítima do banditismo. Este gesto contém uma clara mensagem política que valoriza a suspeição, não provada, sobre um eventual exagero da polícia, e desvaloriza o vandalismo mais bárbaro.

O imenso falhanço da "integração" reside exactamente nestes tipo de equívocos, nesta total confusão de valores. Se se aceita e justifica os que vivem desafiando a lei, acaba-se no caos. E se não se promovem os valores da tolerância e do trabalho, acaba-se na segregação. Pior só acrescentando um clima político inquinado, como aquele que a França vive."


por Pacheco Pereira no seu Abrupto analisando um artigo do jornal Libération:

"...a enorme rede de subsídios e financiamentos estatais típicos do “modelo social europeu”. O artigo cita a crise das acções de alfabetização, financiamentos do Fasild (antigo Fundo de Acção Social), acções de prevenção com adolescentes, programa de empregos-jovem, acções com mulheres, associações subsidiadas (o exemplo é uma intitulada Sable d’Or Mediterranée) que fazem acções de inserção, acolhimento dos recém emigrados, acesso à cultura, teatro de adultos, iniciação ao cinema, vários projectos artísticos e culturais, etc., etc.;

a enorme quantidade de pessoas que trabalha nestes programas, associações, ONGs, que são elas próprias um grupo de pressão para o aumento dos subsídios e o alargamento dos apoios estatais, e que, não é por acaso, aparecem nesta crise como as principais vozes “justificando” a “revolta dos jovens”;

e, por último, o enorme contraste entre o modo europeu de “receber” e integrar os emigrantes envolvendo-os em subsídios e apoios, centrado no estado e no orçamento, hoje naturalmente em crise; e o modo americano que vive acima de tudo do dinamismo da sociedade que lhes dá oportunidades de emprego e ascensão social."

Tudo parece tão claro, os erros foram e continuam a ser muitos, mas enquanto se continuar a tratar os causadores destes distúrbios como vítimas não vai haver saída para o problema e piores dias virão.

Monday, November 07, 2005