Monday, June 19, 2006

"Estado de Alma" por JVC (Jornal de Tondela)


É quase meio-dia, hoje é Domingo dia 11 de Junho, acabei de tomar o pequeno-almoço e, desde que me levantei, que ouço uma música desafinada a tocar, algures, ou dentro ou à volta da minha cabeça. A principio pensei que era o fígado, chateado, a fazer queixinhas às autoridades que mandam no meu corpo, protestando contra a quantidade de álcool e tabaco, consumidos na véspera, facto que, aparentemente o deixa com os bofes de fora; só depois, estava eu, cara de abrunho ressacado, a passear de canal em canal, é que percebi a causa.

Na RTP-N, um senhor que eu não conheço, comentava, empolgado, o primeiro discurso do dia de Portugal do novo Presidente da Republica, excelente, essa de não nos resignarmos, consensual, apela ao que nós temos de melhor, nós, os portugueses, somos capazes, já o provámos no passado podemos fazê-lo no futuro, os passarinhos a voar e a chilrear, as meninas a dançar e a cantar, darmos as mãos uns aos outros... Na SIC Noticias, um senhor deputado do partido socialista, de nome Ramalho, a propósito do mesmo tema, dizia, com ar sério e parafraseando um escritor qualquer, que nós somos generosos, bons, honestos, trabalhadores, os passarinhos a voar e a chilrear, as meninas a dançar e a cantar, darmos as mãos uns aos outros... que o nosso problema não é de números, é de alma!

Já tinha o frasco com os sais de frutos na mão, para acudir a uma convulsão gástrica, quando percebi que a música não era consequência dos exageros da véspera mas do som que vinha daquele ecrã; poisei o frasco e, ainda agoniado, desliguei o aparelho.

Fui buscar as duas cartas que recebi das finanças nessa semana e li-as, com muito mais atenção! Por me ter atrasado vinte e quatro horas – um dia – a pagar o meu irs de 2004, recebi um castigo equivalente a 1 (um) por cento do valor total; ou seja, em termos anuais, corresponde a uma taxa de juro de 365%. Nem os melhores clientes da dona branca, ao que me lembro, conseguiam metade desta taxa.

Felizmente os passarinhos estão a voar e a chilrear e as meninas a dançar e a cantar, o que significa que o dinheiro que eu empresto ao fisco, todos os anos, em adiantado e por conta, nos meses de Julho, Setembro e Dezembro, me vai render uma pipa de massa. É só fazer as contas: mesmo que “eles” remunerem o meu empréstimo a um terço da taxa de juro que me cobram, o meu dinheirinho vai render perto de 120% ao ano! Olaré!

Mas como, entretanto, os passarinhos aterraram mudos e as meninas se calaram, isto é, caí na realidade, já sei que vou ver os juros do meu rico dinheirinho pela ponta de um canudo. Esta prepotência deve ter um nome qualquer quando praticada por outrem que não elas, as autoridades. Quanto aos juros que me querem cobrar, vou seguir o conselho do senhor presidente e, podendo, não me vou resignar! O meu problema, causado pelas almas do estado, tem mesmo a ver com os números.