Monday, July 04, 2005

"Capital de Risco" por JVC (in Jornal de Tondela)


Zanguei-me! Comigo mesmo! E em público! Passei-me dos carretos depois de uma azeda e acalorada troca de palavras entre o Eu e o uE e, mesmo à frente de todos os clientes do banco onde tenho conta, fiz, ou melhor, fizemos uma cena que só vista.

Há uns tempos (para aí há uns dez anos, mais ou menos) entreguei ao gerente do balcão (na altura era o senhor Fulano) um pedido muito bem estruturado onde expunha as razões pelas quais achava que eles deviam financiar o meu projecto de investimento. Para não entrar em detalhes técnicos, incompreensíveis para os comuns, direi que era (é) um projecto inovador que consistia (consiste) na construção de uma unidade para fabrico de uns aparelhos, a que eu chamei “Redesenhadores”. Estes aparelhos, fruto da aplicação das mais avançadas e sofisticadas tecnologias actualmente disponíveis na Terra e seus arredores permitem, a quem os vier a possuir, não só recuar no tempo, mas também (e muito mais importante) alterar o rumo de alguns acontecimentos no momento certo e não já fora de prazo. Não de todos os acontecimentos, mas da maior parte.
Imagino-vos a pensar: sucesso garantido! Então e eu não sei? Milhares, acreditem, foram milhares os inquéritos, milhares as horas de estudos complicadíssimos e para quê? Infelizmente, os senhores lá do banco, toscos, não viram o potencial lucro mesmo à frente do nariz.

Há uns dias porém, a coisa mudou completamente. Marcaram-me uma reunião e informaram-me que respondendo ao apelo do senhor Presidente, a administração do banco tinha decidido apoiar o meu projecto de investimento. Apoiar! Sem mais reservas nem demoras!

Ainda mal recomposto da boa noticia, qual não é o meu espanto quando de repente Eu, ou melhor uE, desata aos gritos, completamente fora de mim (ou dele eu já nem sei), vermelho de raiva e de fúria, um chorrilho de impropérios ao gerente e à administração do banco, mas quem é que eles pensavam que eram para andarem a brincar com o dinheiro dos outros, queriam era matar-me, isto é matá-lo, roubá-lo, eu sei lá que mais. Mau demais para descrever. O gerente, o Tal coitado, não sabia para onde se virar nem o que dizer. Os outros clientes do banco pareciam estátuas. Eu, quedo e mudo. Após alguns momentos, lá tentei acalmar os nossos ânimos e ver se nos levava dali para fora; o eU disse que sim mas primeiro precisava de fazer uma coisa. Rapa-me de uma caneta e força-me a escrever a reclamação:

“Exmo Senhor Presidente do Conselho de Administração do Banco,

Venho por este meio lembrar a V. Exa que o dinheiro que o signatário tem depositado neste banco (e deixe-me que lhe diga, pessimamente remunerado a uma taxa de juro miserável que nem dá para cobrir a inflação) não é para ser emprestado a qualquer caramelo maluco que se lembre de lhe apresentar um qualquer projecto de investimento, ainda que daí possam resultar maiores retornos, leia-se lucros, para a instituição que v. Exa tão sabiamente soube gerir ... até ontem.
Pode estar certo de que vou enviar uma cópia desta reclamação ao Presidente do Banco de Portugal, o qual certamente lhe lembrará umas quantas obrigações que V.Exa tem para com ele de modo a não cair no conto do vigário e dar cabo minhas parcas poupanças...”