Sunday, February 26, 2006

"Nós, pelos outros..." por JVC (Jornal de Tondela)



A bem preparada oferta publica de aquisição (OPA) lançada pela Sonae ao grupo da Portugal Telecom (PT) tem animado a bolsa de valores de Lisboa e o bolso de muita gente – de grandes e de pequenos investidores – e tem sido apresentado, pelas autoridades oficiais, como um dos exemplos de que (já ou ainda) existe confiança dos agentes económicos privados na economia portuguesa. A esmagadora maioria dos comentários dos especialistas que eu li, nacionais e estrangeiros, também sustentam essa tese e, por muito que isto custe a alguns, o “mercado” está a dar-lhes razão. A Bloomberg, uma das mais prestigiadas agências de notícias económicas do mundo, que eu leio diariamente desde há anos, também tem feito uma leitura positiva da operação; como é raro eles falarem de nós, confesso que estas últimas semanas me deram um certo gozo.

Gozo que, infelizmente, acabou! E acabou por causa do futebol e da ressaca do último europeu, o tal que suscitou o movimento patriótico das bandeiras, algumas das quais ainda hoje ornamentam os bancos de muitos popós (normalmente o do lugar do morto que é o que lhe dá mais visibilidade).
O artigo, publicado no passado dia 17, tem por título “O futebol português próximo do colapso depois de gastos de EUR 1 Bilião em estádios”. Como o artigo é longo, limito-me a citar algumas das partes que considero mais relevantes:
“ … na preparação para o Euro 2004, as autarquias adjudicaram novos estádios, apostando que eles seriam um impulso para o turismo, durante e depois do evento, por via da transmissão televisiva para 79 milhões de europeus. As receitas hoteleiras acabaram por não subir de 2004 para 2005 de acordo com o Instituto Nacional de Estatística.”; “ …os dez estádios construídos tornaram-se em elefantes brancos. São vítimas da falta de espectadores que não podem pagar os bilhetes por causa da situação económica e do crescente aumento dos custos de manutenção que afectam os proprietários desses clubes…”; “ … cinco equipas desistiram esta época e quatro quintos dos clubes têm salários em atraso. No último fim-de-semana, de acordo com os números oficiais, os nove jogos principais tiveram em conjunto 80,000 espectadores em estádios com capacidade total de 278 mil.”; “… as 18 equipas da primeira divisão em Portugal têm uma capacidade conjunta para 528 mil lugares, ou seja 1 por cada 19 portugueses, enquanto em Espanha, os 20 principais clubes têm 779 mil ou 1 por cada 51 espanhóis.”; “ … dois anos depois de começar a jogar no estádio que custou 61 milhões de euros, o clube de Faro encerrou porque as receitas originadas pela média de 1,000 espectadores não davam para pagar as dividas … o estádio de 30 mil lugares do Beira-Mar e que custou 65 milhões de euros, tem em média cerca de 4 mil espectadores e, de acordo com Felipe, de 60 anos, se o clube não for promovido esta época, será muito, muito mau …”; “ … o União de Leiria teve prejuízos de 1,94 milhões de euros no primeiro semestre de 2005 porque, segundo o porta-voz João Empadinhas, houve um colapso na venda dos bilhetes...”; “ … outros pequenos países optaram por partilhar as despesas; a Bélgica e a Holanda partilharam o campeonato do mundo e o Euro 2008 será jogado na Áustria e na Suiça, com encargos partilhados … dois dos três concorrentes para organizar o campeonato em 2012 estão a concorrer em conjunto …”.

As poucas vozes que, na altura, foram contra a euforia da escolha de Portugal para, sozinho, organizar tal evento viram o tempo, infelizmente, confirmar as suas criticas.
Será que o mesmo também vai acontecer às (agora ainda muitas) vozes contra a Ota e o TGV?

Tuesday, February 14, 2006

"Obviamente" por JVC (Jornal de Tondela)



Aqui à atrasado (*) – expressão que nós, os adeptos do grande fcp, usamos quando nos referimos a um acontecimento que não ocorreu hoje – já não me recordo muito bem quando foi nem onde é que foi, estava nu e sentado a olhar para o meu umbigo, quando reparei que, mais abaixo, do meu corpo sobressaía uma coisa, uma espécie de torneirinha em ponto pequeno; intrigado, estiquei-a, torci-a, fiz-lhe trinta por uma linha, até que finalmente se fez luz no meu pequeno cérebro e eu cheguei, tarde mas cheguei, à conclusão. Do quê, perguntarão? Do óbvio, responderei!

Foi em resultado de uma meditação parecida, segundo fontes próximas que contactei, que o nosso ministro dos negócios estrangeiros redigiu o seu comunicado da passada semana, texto que rapidamente se transformou no bombo da festa para milhares de almas criticas, sendo que a esmagadora maioria não prenuncia um futuro auspicioso ao seu autor.

Segundo o professor, no seu comunicado, obviamente não valia a pena condenar a destruição, levada a cabo por extremistas radicais islâmicos, das embaixadas da Dinamarca e da Noruega (a do Chile não conta porque esses, além de não serem europeus recordam-nos Pinochet, um dos poucos ditadores que não morreu calçado) porque, como toda a gente está, ou devia estar, fartérrima de saber, ele é contra toda a violência e, obviamente, não é preciso andar sempre a lembrá-lo. O que vale a pena relembrar, isso sim, vezes sem conta e ad aeternum, como de resto ele sublinhou no último sábado, são as nossas agressões. Ou sou sonâmbulo e agrido a dormir ou então aquela boca não era para mim. Obviamente!

Como os amigos são para as ocasiões, para nos ampararem em caso de queda ou de gaffe, um senhor deputado, de nome Canas (ó senhor ministro, não se fie nesta cana que não me parece que ela aguente muito peso...) veio encostar-se ao professor e toca a dizer, preto no branco (será que posso escrever isto???), que os cartonistas dinamarqueses e os extremistas radicais islâmicos estavam bem uns para os outros. Obviamente!

Na linha dos ideais atrás expressos e tendo em vista a sã convivência entre todos os povos, o canal de televisão por satélite inglês SKY, a propósito da condenação em tribunal do imã radical Abu Hamza (também conhecido por “capitão gancho” por usar dois ganchos como próteses para as mãos que perdeu na guerra contra os russos), entrevistou um outro imã, amigo do condenado e de nome Hamid Ali, que por sinal até vive em Inglaterra e que não teve qualquer problema em explicar aos espectadores que não senhor, ele e os seus não reconhecem a autoridade das leis inglesas e que sim senhor, eles, os muçulmanos, têm muito mais direito àquela terra do que eles ingleses. Já não me lembro dos argumentos que ele deu em defesa deste suposto direito de propriedade porque entretanto saltou-me a tampa e deixei de conseguir ver e ouvir. Obviamente!
(*) Uso a mesma expressão, no plural e escrita de outra maneira, sempre que passo em frente aos estádios da segunda circular na capital (senhor director: por falta de tempo não pude contactar o senhor ministro da licenciosidade, pelo que agradecia me informasse, com urgência, se corro perigo de vida ao acabar de melindrar tantos milhões de portugueses)

Tuesday, February 07, 2006

DANISH CARTOONS


" If liberty means anything at all it means the right to tell people what they do not want to hear "
(George Orwell)

"Pretextos" por JVC (Jornal de Tondela)




Tendo como desculpa, de mau pagador, a publicação, há meses, num jornaleco dinamarquês, de uma dúzia de desenhos em que se satirizava a violência islâmica, actualmente a face mais visível do Islão, a arruaça extremista muçulmana tomou conta dos noticiários internacionais, através de vários eventos culturais, desde simples manifestações em várias cidades da Europa (nomeadamente em Bruxelas e em Londres) a espectáculos mais sofisticados, coloridos e barulhentos, como queima de bandeiras e assaltos a embaixadas. Um dos espectáculos que deu mais alarido teve como palco embaixadas de dois países europeus e ocorreu na Síria, pais que vive numa ditadura monárquica e policial há décadas; este facto, o tipo de regime vigente, demonstra, sem qualquer margem para dúvidas, que este espectáculo, não autorizado no direito internacional, foi levado à cena com a conivência das autoridades locais. Na manifestação que ocorreu em Londres e que foi transmitida pela televisão para todo o mundo, centenas de artistas, muitos dos quais devidamente encapuzados, empunhavam cartazes em que se pedia ao público a sua participação, cortando umas cabeças aqui, massacrando uns cartonistas acolá ou linchando uns quantos blasfemos um pouco por todo o lado.

Alguns críticos ocidentais, os mais distraídos e menos inteligentes, julgaram detectar nesse conjunto de espectáculos uma intromissão inadmissível dos seus autores na nossa cultura mas a nossa inteligência, europeia, bem instalada nos salões governamentais, da imprensa e da esquerda caviar e radical, com o seu silencio, repôs as coisas no seu sitio, isto é, no pasa nada! E se algo se passou ou está a passar, é a crescente disparidade entre o que sente a maioria das pessoas europeias e os seus lideres, fruto da ânsia que os inteligentes têm em dar voz a toda e qualquer corrente de opinião, por mais minorca e estapafúrdia, que enxovalhe os símbolos da (nossa) cultura ocidental ao mesmo tempo que desculpa e justifica os crimes de meia dúzia de afilhados, ainda que bastardos.

Como li algures, neste principio do século vinte e um, subjugado pela mediatização da nossa vida ou da nossa vida subjugada pela mediatização, as elites, infestadas por complexados, dos pós colonialistas aos dos fracassados do marxismo, decidiram dividir o mundo em bons e maus; os bons são todas as raças que não são brancas, todas as culturas desde que não sejam a nossa (a ocidental), os não ricos e os que não têm qualquer poder; os maus são todos os outros, os ricos, os poderosos e a cultura ocidental.

Assim, tudo o que um mau faz, é sempre mau; e se o que o mau faz não é mau e por isso é bom, então é porque o faz com segundas intenções, para vigarizar o bom e o tempo se encarregará de demonstrar esta evidência, porque o mau é mesmo assim, é mau! Pelo contrário, tudo o que o bom faz, é sempre bom; a não ser, claro, que o que o bom faz seja mau e, nesse caso, a maldade resulta – só pode – de uma reacção compreensível face aos abusos que sofreu às mãos de gerações de maus (de trisavôs a netos) ou a trivialidades muito especificas da cultura do bom, como por exemplo, não dar quaisquer direitos às mulheres.

Nesta linha de pensamento, o bloquista Daniel Oliveira, disse na SIC que o enorme abaixo-assinado de protesto feito pelos católicos aquando da publicação no semanário Expresso de um desenho do Papa com um preservativo no nariz é igualzinho ao queimar das bandeiras da Dinamarca. Claro, só pode!